Era despretencioso. O início sempre é despretencioso. Você apareceu. Eu me mostrei. Encontrei similaridades no seu mundo, o comparei com o meu, me apaixonei pela suas esquinas de chuva, pelo tango da morte, pelas noites na taverna, pelos delírios do cabaré. Era mais que encantamento. Muito mais. Te pintei nos meus olhos, dei movimento ao seu rosto estático, te eternizei em estrofes juvenis, toda a minha vontade de poetizar se resumia à você. E eu nunca
te disse, mas naqueles dias eu já te amava.
te disse, mas naqueles dias eu já te amava.
Te tirei dos meus sonhos, te trouxe para a minha vida, antes mesmo do início, quando tudo ainda era um esboço, quando tudo ainda era Sofier - aquele mundo encantado que somente eu e você podíamos entrar. Lembro da primeira vez que te vi, te esperei pacientemente, trazia nas mãos um buquê de flores imaginárias, que nunca cheguei a entregar, você tinha tudo o que eu esperava, você era real. Fiquei ali parada, imóvel. Você me olhou com grandes olhos negros, cabelos escorridos sobre a testa, sorriso largo, aquela velha camiseta dos sex pistols e todos aqueles argumentos desenfreados. Eu achava graça em como você desajeitadamente preenchia o silêncio com palavras. Te ouvi atentamente, aquele dia. Cada palavra. Eu nunca te disse, mas naquele dia eu já te amava.
Era só o início. Me lembro como se fosse ontem. Dos telefonemas no meio da tarde, dos encontros noturnos, das horas de conversa. Da caixa de sapato cheias de cartas, dos presentes inusitados, das manias, dos sonhos, dos domingos chuvosos. Lembro de tudo o que você dividiu comigo. Te mostrei o meu coração, que era o que eu tinha para oferecer, então você me roubou para a sua vida, sem medo. Eu nunca te disse, mas naquele dia eu já te amava.
E foram tantos dias, tantas noites, tantas conversas, tantas coisas divididas, tantos poemas compartilhadas, tantas náuseas, tantos rabiscos, tanta cumplicidade, tanto tempo. Um dia aconteceu: alianças, em caixinha decorada, mão esquerda, guardada até hoje, no porta jóia, na memória. Eu nunca te disse, mas naquele dia eu já te amava.
E veio a divisão de hábitos, de dias, o interesse cotidiano, as flores nas datas comemorativas, as viagens de aniversário, todo dia 13 era especial, madrugadas em claro, o afeto de todos os dias, de todas as noites e todas aquelas coisas que eu não imaginava ter com mais ninguém. Eu nunca te disse, mas naqueles dias eu já te amava.
Tudo era perfeito, mas do dia para a noite o nosso conto de fadas se desfez como porcelana frágil. Quebrou. Nos cortamos. Não parava de sangrar. Eu me fechei no quarto, você se abriu para o mundo. Eu deixei você ir. Você deixou que eu ficasse. E eu nunca te disse, mas eu ainda te amava naquele dia.
O tempo passou. Eu me conformei. Engoli as migalhas do destino. Me distraí. Parou de doer. Eu entendi. Eu te perdoei. E eu nunca te disse, mas eu ainda te amava naqueles dias.
Até que um dia qualquer, o destino nos juntou novamente. Você me arrancou do meu casco seguro e mostrou como era lindo o mundo que a gente tinha construído e esquecido. Eu te ensinei a não se sufocar com o próprio veneno, te mostrei que valia à pena se entregar sem medo, a corrigir erros inconsequentes. Eu cresci. Você cresceu. Continuamos de mãos dadas.
Eu nunca te disse, mas desde o primeiro dia, desde a primeira vez, desde o fim, desde o recomeço, todo o tempo... Acho que eu nunca te disse, mas eu te amei, cada um deles, eu nunca te disse, mas eu te amei todos aqueles dias.
E ainda amo.
Ouvindo: Tunnel of love - Dire Straits
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