terça-feira, 27 de janeiro de 2009

A visita


Na verdade eu não me lembro o porquê você veio, só lembro de abrir a porta e te ver parado, você entrou sem me olhar direito, tirou os sapatos e se jogou no sofá, como de costume. Fiquei te encarando por algum tempo, sei lá, estranhei alguns dos seus novos costumes, observei atentamente o seu rosto, procurando alguma linha nova que indicasse o porque o seu olhar agora parecia tão sofrido. Não encontrei nada, parei de olhar. Fui tomar banho, coloquei um pijama velho, afinal você é de casa, ou pelo menos era. Você sempre ria dos meus pijamas, mas dessa vez não riu, alguma coisa mudou. Deitei no sofá, você se sentou ao meu lado e acariciou meus cabelos desgrenhados, preferi não te olhar nos olhos, mas não hesitei quando você me abraçou, fechei os olhos fundo para que não caíssem lágrimas, não seria de bom gosto, que tipo de anfitriã fica chorando na frente das visitas? Me levantei e fui para o quarto, você me seguiu, nos sentamos na cama, posição de meditação, um de frente pro outro, nos olhamos fundo novamente, talvez você também procurasse alguma linha no meu rosto que indicasse o porque do meu olhar tão sofrido. Não encontrou nada, desviou o olhar, fiquei desconcertada, me distraí olhando as fotos na parede, você está em algumas delas, mas estas eu evito. Me sinto nauseada, estranho, achei que já tinha vomitado tudo, mas meu estômago continua queimando, involuntariamente começo a falar sobre nós. Você ainda tem essa mania irritante de ficar me interrompendo, me perdi no meio do meu processo mental de novo, respiro fundo, continuo, você me olha fixamente mas eu procuro evitar os seus olhos, tenho medo de me perder neles. Nossa... te digo sempre tanta coisa, me irrito as vezes com esse meu jeito tão escancarado de ser, tento me controlar, mas sai tudo, tu-do, uma tentativa desesperada de explicar tudo aquilo que eu gostaria que me explicassem. Lágrimas começam a se formar nos meus olhos, prometi que não choraria mais na sua frente, mas sempre fui péssima com promessas, você não gosta de me ver chorando, então me abraça, mas eu me debato, odeio quando você me consola, sou orgulhosa demais, lembra? Por um momento me distraio, me lembro das nossas conversas, sala de estar, café da tarde, choros e risadas entre pães e cafés, já faz tanto tempo, agora somos maduros, não temos tempo pra isso. Você me diz que é tarde e que precisa ir, vai até a sala colocar os sapatos, permaneço chorando por alguns segundos agarrada ao travesseiro, em seguida acendo um cigarro e vou pra varanda. Você se distrai com alguma reportagem interessante enquanto eu fumo toda aquela minha antiga frustração. Doze badaladas, já é tarde, você me beija o rosto rapidamente e caminha em direção à porta, evito olhar pra trás, não gosto de despedidas, não queria me lembrar de você assim: indo embora. Então permaneço olhando as luzes noturnas de uma cidade adormecida, entendendo e aceitando que tem que ser assim. Respiro fundo, apesar de tudo, hoje é uma das noites mais lindas que eu já vi...

Nenhum comentário: