terça-feira, 8 de dezembro de 2009

À um felino triste


Um dia como qualquer outro, um dia chuvoso que traz consigo a ironia de um arco íris se engraçando bem na frente da minha janela. Achei interessante aquele colorido tão pouco espontâneo, parado, assim meio remoto, sete cores ocupando menos de um milésimo de um céu nublado.
Dias assim são isentos. Dias assim pedem açucares e pijama, nada mais. Sem longas conversas, sem climas sociais, sem considerações finais. Dias assim exigem solidão: quietude, plenitude, a não-dependência-de-outro-ser. Sei que isso tudo soa muito nostálgico para os bichos sentimentais como eu, não discordo, digamos apenas que aceito com serenidade a necessidade de existência dessa solidão auto conhecedora.
Permaneço aqui, sentadinha embaixo das cobertas olhando para o vazio profundo, a tv em estado mudo: fantonches caseiros, faróis de carros invadem a janela e desenham cordeirinhos na parede: fantoches urbanos. Tenho consciência de toda essa movimentação silenciosa, mas as atenções estão voltadas para dentro, para o palco da confusão maior. Os pensamentos me conduzem para um interior obscuro em busca de algum significado até então ignorado, algo que explique, ou pelo menos justifique aquilo que vive a me artomentar. Em vão: 'pra dentro' parece nunca ser fundo o suficiente, é preciso cavar mais e mais e mais.
No meio desse turbilhão de pensamentos desconstruídos ele vem, me assusta, me traz de volta, imensos olhos azuis, imponente, me olha, hesita e em seguida se deita no meu colo mansamente. Do outro lado ela surge e sem qualquer cerimônia adentra o recinto (no cômodo até então de ilusões privativas) a tempo de vê-lo se aconchegando: "Ele anda amuadinho", "O que?", "Ele anda amudadinho".
Acho esse termo bonitinho, amuadinho, essa palavra é carregada de uma tristeza lenta, de uma tristeza pra ser sentida devagar, a-mu-a-di-nho, parece que vai caindo leve sobre o rosto como garoa fina. Apoiei sua cabeça cuidadosamente sobre a palma da minha mão estendida, olhei dentro dos seus grandes olhos azuis: "Parecem portais", "Que? Do que você está falando?", "Dos olhos dele", "Que que tem os olhos dele?", "Parecem portais, cor do céu, bonito", "Um portal que ronrona? Você enlouqueceu de vez".
Nem presto atenção nos gracejos dela, começo a acariciar o felino triste, tristeza muito familiar, continuo a acaricía-lo, ele se levanta, triste triste, parecendo rejeitar aquele excesso de afeto.
Então ele se afasta, senta na janela e fita o horizonte longínquo, ela corre para agarrá-lo no parapeito sem alcançá-lo. Eu o respeito, o deixo só, o entendo. "Deixa ele." Sem questionar ela acata.
E lá ele permanece por horas, imóvel, intocável. Talvez como nós, sejam sós que os gatos procurem as suas explicações.

4 comentários:

The Sole Survivor disse...

vc podia ter posto uma foto da cãmila
ela tem os olhos azuis


se eu fosse um bicho, seria um gato.

The Sole Survivor disse...

http://4.bp.blogspot.com/_bq1vq0m6jhI/SkZSOr0xJ_I/AAAAAAAAATQ/N_omabft-h0/s1600-h/P6247802.JPG

The Sole Survivor disse...

http://pramimvocemorreu.blogspot.com/2009/06/my-pussy.html

Raposo Tavares disse...

Rabiscos? Onde? Estou surpreso com as coisas que você escreve. De verdade. Eu to só começando. criei o blog faz um mês e meio, juntei umas tranqueiras antigas da minha gaveta, o que deu umas 30 páginas de péssima qualidade verborrágica pro ano passado inteiro. De repente o blog me estimula a escrever umas 4 páginas por dia. Aliás, tive um problema com o blog agora mesmo, você não quer dar uma olhada? =P