segunda-feira, 19 de abril de 2010

Em casa



E de repente eu lembrei o que me movia. Me vi ali sentada com o meu passado sobre a mesa, tomando drinks, sorrindo, fumando. De repente eu me lembrei o que me mantinha ali, o que me mantinha.
Era amor, cara, eu amava aquelas pessoas, aquelas esquinas, aquelas situações, aquelas dúvidas. A gente fica por amor. E acaba indo embora por curiosidade, só pra ver como é a vida fora do ninho. A gente vai embora pra sofrer. Aves jovens ensaiando vôos tímidos, a gente cai pra caramba, se arrebenta, mas enfrenta. Esse lance de amor acaba deixando a gente forte. A gente se refaz. Sempre.
A gente volta por amor também. Com saudades e cicatrizes, para tomar drinks, fumar e lembrar nostálgicos dos nossos tão distantes 16 anos. Pés cansados, rosto marcado, o mesmo vinil tocando. São tantas histórias, tanta coisa boa. Uma noite parece pouco. Não vamos embora, o mundo pode esperar.
A gente canta em volume máximo, se abraça, cai embreagado, fuma, grita, ri de tudo, de todos, o dia amanhace e a gente nem percebe. Somos transportados pro passado, é como antigamente, solos de saxofone, a gente não tinha hora, não tinha preocupação, não tinha emprego, não tinha medo, de nada. A gente vagava por ai, porras loucas, desvairados, tomando conhaque, lendo poesia, tocando canções sobre liberdade. Invadíamos as praças, as ruas, os corações. A gente tinha tanto ideal, tanta juventude, o tempo nos consumiu. Preto. Sempre de luto pelo mundo.
Desenhamos nosso paraíso nos muros da cidade, construímos nossa fotaleza no jardim, a gente era feliz, cada um do seu jeito. Alguns pintavam arcos íris nas portas, outros pintavam cruzes, alguns escreviam versos sobre vida, outros sobre morte. Imaginávamos palácios em barracos e transformávamos vidro em diamante.
A gente transformava as coisas com amor, por amor. De repente eu me lembrei disso. Me lembrei que é isso o que eu sou. Que é isso o que somos. Que é isso que escolhemos ser.
Seguimos.
Pés descalços, somos os mesmos. Almas nuas, somos os mesmos. Corações valentes, somos os mesmos.
O tempo passa.
Somos os mesmos.
E voltamos para casa.

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